terça-feira, 16 de abril de 2013

A realidade por trás do evento desportivo

Texto em solidariedade à todas as mulheres que foram traficadas, violentadas e mercantilizadas nos mais de 70 anos de copa do mundo. Não queremos que nenhuma mulher na África do Sul, Alemanha, Brasil ou qualquer outro lugar se submeta ao mercado do sexo e à todas as violências e opressões que os mega-eventos têm causado às mulheres historicamente nos mais diversos países do mundo. Este texto também é uma denúncia e um chamado de alerta para o que tem sido feito e ainda pode ser feito no Brasil  pelas instâncias de poder para legalizar esse mercado que só beneficia o capitalismo patriarcal. Seguiremos juntas e em marcha até que todas sejamos livres!

Por Martha Yanneth Valenzuela R. 

Há oitenta anos, o campeonato mundial de futebol, numa espiral crescente de investimentos de capital, mercado de emoções, indústrias culturais, acertos geopolíticos e tráficos legais e ilegais, congrega multidões em torno deste fenômeno desportivo que permite várias abordagens. O mundial de futebol foi institucionalizado em 1930, no Uruguai, e já foram 18 os encontros mundiais celebrados, até este primeiro evento no continente africano. A cada vez são incorporados novos elementos que se instalam nos cenários da globalização neoliberal, ou capitalista.

As conjunturas do desenvolvimento capitalista interferiram nas transformações deste esporte , o que se pode perceber quando o “fordismo” das décadas de 30 e 40 – no enfoque pós crise de 29 – substituiu as condições técnicas iniciais pelas táticas e a sistematização do jogo em equipe. O futebol contemporâneo é um dos principais negócios dos esportes tradicionais, infiltrado pelo capitalismo financeiro com o imenso negócio das marcas, a publicidade e o mundo do marketing midiático, inclusive incorporando os tráficos e consumos ilegais dos tempos de globalização.

Desde a abertura do Campeonato Mundial de 2010, com sede na África do Sul, milhões de telespectadores centraram sua atenção nas partidas de futebol, enquanto se põem entre parênteses as profundas desigualdades sociais e econômicas, próprias do mundo contemporâneo. Na Colômbia, apesar de não haver participação da seleção nacional no evento, a atenção se concentra nos jogos de equipes estrangeiras, enquanto se mantém ou aumenta o desemprego, a crise política, os escândalos de corrupção, a violação de direitos – humanos e outros -, enquanto os apresentadores dos noticiários de jornais, rádios e televisões se dedicam a descrever a piada ou o gol do dia, durante o mês inteiro.

O futebol e o campeonato foram transformados em mercadoria. Antes, o esporte estava nas mãos de sociedades desportivas mas, há muitos anos, as sociedades desportivas se transformaram em sociedades anônimas, sendo esta uma das grandes vitórias do capitalismo e da propriedade privada sobre a propriedade pública. São muitos os interesses em torno do futebol, sobretudo ao se tratar de um campeonato mundial. Por aqui desfilam os proprietários dos clubes, empresas desportivas, empresas publicitárias, meios de comunicação e até jogadores, que fazem tratos com marcas desportivas e obtêm enormes ganhos com publicidade.

Os maiores lucros e rendimentos de um encontro de massas, como é o mundial de futebol, têm um caráter privado. Por exemplo, a audiência das partidas finais do mundial na Alemanha de 2006 chegou a 330 milhões de espectadores, pelo que a FIFA obteve ganhos de 1 bilhão e 800 milhões de dólares, de fornecedores e direitos de televisionamento, destacando-se, assim, o caráter privado do aproveitamento dos resultados de um fenômeno que agrega milhões de pessoas, fato que caracteriza a essência do capitalismo: algo acontece por obra de muitos, mas são poucos a lucrar e de forma exorbitante.

O campeonato mundial de futebol acaba sendo um negócio multimilionário que move 500 bilhões de dólares anuais e que, este ano, está num país com 40% de desemprego e onde mais da metade da população vive com menos de 1 dólar por dia. A maioria da população desempregada criou ilusões com a crescente indústria do turismo, que se preparou para receber aos milhares de torcedores. Mas as menos beneficiadas, neste país, pela conjuntura futebolística, são as pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza, a metade da população. É público que a indústria turística oferece trabalhos temporários e mal pagos. Além disso, a organização do turismo fortalece as configurações e categorias sociais que excluem os setores marginalizados da sociedade. As hierarquias de raça, gênero, idade e classe pesam nos critérios para designação de trabalhos, no setor turístico.

A pobreza extrema, a prostituição e o tráfico de mulheres são algumas caras ocultas do mundial de futebol na África do Sul, o que se tentou esconder com campanhas do governo sulafricano para “varrer” mendigos e prostitutas das ruas das principais cidades. O governo fez o que disse um inspetor da FIFA, quando declarou à imprensa que os espectadores não desejavam ver “favelas e pobreza” na televisão. A principal tarefa da FIFA é abrir mercados e o país organizador deve ceder-lhe os direitos para tudo, desde a publicidade e o comércio, até o controle dos espaços que circundam os estádios, convertendo-se a FIFA numa espécie de estado soberano nos estádios onde se jogue o mundial.

A cada quatro anos é posta em jogo uma soma multimilionária em negócios lícitos, mas também uma incalculável quantia em negócios ilícitos, como a prostituição e o tráfico de mulheres. O mundial da Alemanha marcou a conexão entre o futebol e a compra de sexo. Junto com o álcool, a Alemanha se preparou para vender, oferecer outro “produto”, de maneira aberta: mulheres. Para entrar no tom dos requisitos desta indústria capitalista, a Alemanha, em 2006, legalizou a indústria sexual. Entre os milhões de pessoas que viajaram à Alemanha, durante a copa mundial da FIFA, muitas foram contra a vontade, mulheres jovens, meninas e meninos, vítimas do tráfico humano para a exploração sexual, procedentes de países pobres da África e da Europa oriental.

Nas principais cidades alemãs foram inauguradas centenas de mega-bordéis. Por exemplo, em Berlim, a poucos metros da conhecida porta de Brademburgo, milhares de pessoas visitaram a chamada “Milha do torcedor”, um grande corredor formado por tendas, dotados de telas gigantes e que se caracterizou pela venda de cerveja e outras substâncias, e pela afluência de turistas a prostíbulos de diferentes classes. Nesta cidade se construiu um mega-bordel de 3 mil metros quadrados, bem perto do principal estádio do mundial, o qual se dava ao luxo de informar que chegou a atender até 650 clientes, simultaneamente. Não foi exagero o nome de “Cidade do Sexo”, adotado por Berlim naqueles dias.

Mais de 40 mil mulheres foram necessárias para satisfazer a demanda dos bordéis adicionais que se instalaram, e mais da metade delas foram enganadas com falsas promessas de empregos temporários ou simplesmente raptadas dos países de origem, convertidas em escravas sexuais. A poucos dias da abertura da Alemanha-2006, as autoridades começaram a receber ligações de mulheres que denunciavam situações de escravidão sexual e solicitavam ajuda. Foram muitos os centros médicos e clínicas alemãs a atenderem mulheres vítimas de violações múltiplas e outros maus tratos. Mulheres procedentes de países pobres que chegaram à Alemanha denunciaram terem sido obrigadas por agenciadores a ter sexo com grupos inteiros de torcedores.

Várias organizações sociais e civis denunciaram o aumento do tráfico humano com fins sexuais, durante o mês que durou o campeonato de futebol na Alemanha. A organização internacional feminista “Coalizão contra o tráfico de mulheres” lançou uma campanha mundial para protestar contra a promoção e o desdobramento público da prostituição na Alemanha, durante o mundial. A associação de futebol sueca foi pressionada para que sua seleção se retirasse do mundial, entendendo que a Suécia tem um histórico rígido em restrição à prostituição, já que este país, no final da década de 90, penalizou não só a prestação de serviços sexuais como, mais severamente, a compra e distribuição, depois de uma prolongada campanha feminista, apoiada por muitas parlamentares.

Apesar das diversas demandas, por parte da sociedade e organizações de caráter feminista, o governo alemão manteve a liberação e suas conseqüências. No contexto de demandas e denúncias, criticou-se a frieza da FIFA, quando lhe foi solicitado colocar na sua página da web informações sobre a prostituição forçada, com o objetivo de sensibilizar o público. Porta-vozes de seleções, como a inglesa, mostraram uma indiferença total pelo tema e, em várias ocasiões, declararam que o caso das mulheres e do tráfico de mulheres não era da sua alçada, dizendo que “as mulheres não nos importam”. Os mundiais de futebol acabaram sendo a oportunidade para mudar as leis. Não podemos esquecer que qualquer país que deseje organizar uma Copa do Mundo deve se submeter à autoridade da FIFA, o que inclui mudanças na legislação.

A Copa Mundial de Futebol, na África do Sul, não escapou de pressões neste sentido. A FIFA forçou o governo sulafricano a liberar a prostituição, argumentando que os torcedores estavam considerando ir ou não ao país, por medo de serem contagiados pelo vírus da AIDS e que a solução alemã, de construir mega-bordéis em áreas-chave das cidades sulafricanas, resolveria. Recordemos que, lamentavelmente, a África do Sul ocupa o primeiro lugar em pessoas contagiadas pelo vírus. De 48 milhões de habitantes, 6 milhões vivem com o HIV. O jornal britânico “The Guardian”, justificou a relação futebol-sexo, em artigo que exige a legalização da prostituição na África do Sul, pelo menos durante o tempo do mundial, já que os eufóricos torcedores correm o risco de contrair o HIV, se não for regulado o mercado sexual.

Exercer a prostituição, na África do Sul, continua sendo um delito tipificado, no qual as trabalhadoras sexuais devem pagar multas exorbitantes, enquando cafetões e traficantes seguem lucrando incalculáveis somas. O tráfico de seres humanos, atualmente, é considerado um dos maiores negócios do capitalismo criminoso do mundo. O tráfico de mulheres para o mercado sexual sulafricano aumentou vertiginosamente, pelo incremento do turismo sexual em torno do mundial. Estudos da pesquisadora zambiana Merad Kambamu, revelam denúncias e provas da crescente desaparição de mulheres jovens e meninas de toda a região, que aparecem em bordéis e casas de massagem, nas grandes cidades da África do Sul. Silvia Mahumane, porta-voz da polícia de Maputo, declarou a existência de redes que se dedicam ao tráfico de mulheres que as vendem a 670 dólares cada uma.

O futebol se configurou como um espaço construído para os arquétipos da masculinidade do capitalismo patriarcal, no que se permitem manifestações que não se mostrariam, nem se aceitaria, em outros espaços. Por isso, torna-se repugnante a naturalização feita da relação entre compra de sexo e futebol, com o argumento de que os fãs não só mostram uma sede insaciável de futebol e álcool, mas também demandam sexo pago para saciar seu fanatismo viril. Assim, fica demonstrado o espetacular triunfo do capitalismo patriarcal, que penetra os mais íntimos desejos de consumo pessoal.

Vemos, então, que a imagem feminina e o corpo das mulheres são usados como mercadoria. A prostituição e sua conexão com o tráfico de mulheres andam ao redor destes acontecimentos desportivos, com ranços machistas, mistura de cafetinismo e exploração humana, que oferece sexo ao público, junto ao estádio. A celebração de grandes eventos desportivos, como é um mundial de futebol, tem associadas agressões sexuais às mulheres e outras formas de violência de gênero, como é a prostituição, até um extremo que reclama uma séria reflexão.

Fonte: Boletim da Telesur de 1 de julho de 2010      

segunda-feira, 25 de março de 2013

Fora Feliciano!

Estamos diante de um momento de extrema indignação. Não somente por Marco Feliciano,  um fundamentalista religioso, machista, misógino, racista e homofóbico, estar à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara do Deputados. Nossa indignação é também com a sua persistência em se manter no cargo, após tantas declarações e ofensivas contra àqueles que, supostamente, deveria prezar, zelar, defender.
Permitir a sua gestão na comissão é simplesmente dar muitos passos para trás, é abdicar de direitos conquistados historicamente por inúmeros movimentos sociais que vêm justamente combater a bancada religiosa conservadora nos espaços políticos de nosso país, bancada esta que atravanca a discussão sobre o aborto, que condena casamentos entre homossexuais, que torna nosso Estado tudo que se possa imaginar, menos laico!
Em entrevista sobre seu livro "Religiões e política: uma análise sobre a atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil", Feliciano ataca uma das reinvidicações feministas mais atingas do movimento que é a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Também defende a família patriarcal, conservadora que busca historicamente a manutenção do sistema que privilegia o homem na ocupação do espaço público e a mulher do privado, e que responsabiliza as mulheres pelos cuidados da casa, filhos e família, aprisionando-as e submetendo-as à não participação das mudanças da sociedade. Por último, esse pequeno trecho, consegue condenar também a união homoafetiva, alegando que esta destrói a família, tomando como a família patriarcal com a figura central do homem que subordina uma mulher, a única e possível forma de formação familiar:

"Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos"


Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/marco-feliciano-diz-que-direitos-das-mulheres-atingem-familia-7889259

Claro, que aqui não viemos discutir as religiões, muito menos generalizar nossa crítica, sabemos que o Feliciano não representa muita gente. Prezamos pela diversidade e liberdade de crenças e pelo respeito mútuo entre cada uma delas. Nos propomos sim, a ter um debate crítico sobre as representações fundamentalistas que estão à frente de nossa política e condenar qualquer ato dessa elite de poder que busca a manutenção das formas de opressão existentes em nossa sociedade.




Queremos mudar essa sociedade e por isso que nós, mulheres, feministas, da Marcha Mundial das Mulheres repudiamos a presença de Marco Feliciano na Comissão de DH.

Junte-se a nós no ato FORA FELICIANO! , que ocorrerá na terça-feira, 26/04 às 17h na Praça XV, Rio de Janeiro. Não nos calaremos diante desse retrocesso, marcharemos até que todas sejamos livres!