segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O machismo abunda

Artigo de Tica Moreno, militante da MMM/SP - Publicado na Revista Teoria e Debate

 A publicidade ainda segue a noção do ser mulher baseada em imposições que mantêm um modelo de submissão, docilidade e disponibilidade, disfarçado de liberdade de escolha. Tal modelo permite a proliferação de discursos misóginos e de controle sobre a sexualidade
Não é novidade a crítica feminista ao uso de
 estereótipos e preconceitos pela publicidade
Foto: Reprodução http://dadospessoais.net/

No final de setembro, a publicidade sexista entrou em debate a partir da solicitação feita pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) ao Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) para que um comercial da Hope fosse suspenso, por reforçar o estereótipo da mulher como objeto sexual. Na propaganda, Gisele Bündchen ensinava as mulheres a melhor forma de dar uma notícia ruim ao marido: apenas de lingerie. A reação ao pedido tomou grande proporção, ocupou páginas de jornais de grande circulação e páginas na internet. Em sua maioria, os argumentos reforçaram mais uma vez estereótipos sexistas, como o que afirma que as feministas não têm senso de humor ou que as críticas às propagandas partem de mulheres feias. Poucas foram, entre as questões abordadas, as que se relacionavam à reflexão sobre a mercantilização do corpo das mulheres.

Não é de hoje que a publicidade usa estereótipos e preconceitos em sua concepção. Também não é novidade o questionamento feminista a essa utilização. Podemos identificar um padrão na publicidade: reproduz o machismo de maneira explícita ou sutil. Explícita, quando a mulher retratada se confunde com o produto que se pretende vender; sutil, mas ainda óbvia, quando aparece no papel vitalício de mãe, dona de casa, paciente e sorridente, que terá seu trabalho reduzido por um produto fantástico para limpar melhor a casa.

Mas a crítica feminista à mercantilização do corpo das mulheres na publicidade e na sociedade em geral não se restringe ao questionamento da exposição permanente de corpos nem à análise de uma ou outra propaganda isolada de um debate maior.

A lógica da mercantilização atua de múltiplas formas. Constrói padrões de beleza em torno de um corpo ideal, que pode ser atingido através do consumo dos produtos certos, e assim movimenta a economia. Em 2008, a crise nem passou perto das indústrias cosmética e farmacêutica, que cresceram por volta de 8%. As mulheres compõem a maior fatia desse mercado consumidor, em uma busca incessante de moldar o corpo, a aparência e o comportamento.

Esses padrões, baseados em um modelo de feminilidade que naturaliza o lugar das mulheres e sedimenta as exigências sobre elas em função do olhar, expectativas e desejos masculinos, têm efeitos drásticos sobre o corpo e a saúde. Não por acaso, a OMS aponta transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia entre as principais causas de morte de mulheres jovens em alguns países, como a Itália.

Para as mulheres que estão no mercado de trabalho, o sucesso profissional deve ser conciliado com a formação e manutenção de uma família feliz, na qual continuam responsáveis, se não por todo o trabalho doméstico, por grande parte dele. Este é, muitas vezes, terceirizado para outra mulher, o que faz com que o emprego doméstico seja a principal ocupação das mulheres, sobretudo negras, no Brasil atual. Ao trabalho remunerado fora de casa e às pressões para dar conta da sobrevivência e do equilíbrio da família, da educação dos filhos, do cuidado com os idosos, soma-se a necessidade de estarem sempre bonitas e com o corpo na forma estabelecida pelas capas de revistas, além de alegres e pacientes. Para isso, o mercado oferece cremes, maquiagens, medicamentos comportamentais para reduzir o apetite e controlar a ansiedade.

domingo, 27 de novembro de 2011

9º encontro Internacional da Marcha será no BRASIL!!!

No dia 24 de novembro, as delegadas presentes ao 8º Encontro Internacional da MMM, realizado em Quezon City, nas Filipinas, aprovaram a realização do próximo encontro internacional no Brasil, que está previsto para 2013. Além do Brasil, também o Mali apresentou candidatura para receber a reunião.

No grupo de discussão das Américas, obtivemos total apoio e incentivo à iniciativa. No diálogo com as companheiras do Mali, reforçamos que seria muito importante que o Brasil sediasse o 9º Encontro, uma vez que podemos contribuir muito com a MMM Internacional compartilhando nossa experiência de relação entre a Coordenação da MMM brasileira e o Secretariado Internacional.

Ademais, é importante para Brasil conduzir o processo de transferência do Secretariado Internacional, que ocorrerá no próximo encontro, como forma de fechar um ciclo que foi iniciado com a eleição da C.N brasileira para secretariar internacionalmente, e a indicação de Miriam Nobre como Coordenadora Internacional da MMM .

Nada mais justo, portanto, que depois de tanta dedicação da Coordenação Nacional brasileira para com o movimento internacional, que pudéssemos encerrar esse ciclo realizando o Encontro internacional que elegerá o novo Secretariado Internacional.

Jovens feministas
A inclusão das jovens feministas na construção da MMM foi um tema muito debatido neste encontro. O Brasil tem uma boa experiência para compartilhar com as companheiras dos outros países, sobretudo em relação a Batucada, que é um instrumento político utilizado pelas jovens de todo o país, como forma de mostrar sua irreverência e identidade.

Movimentos Aliados
A conferência com os movimentos aliados foi uma demonstração de fortaleza da Marcha Mundial das Mulheres. Sete movimentos que fazem aliança com a MMM estiveram presentes no nosso Encontro, entre esses, podemos destacar a Via Campesina, Amigos da Terra, CADTM, e o Movimento das Mulheres Sindicalistas.

Entre as diversas agendas e bandeiras apresentadas para o próximo período, uma se fez presente entre todos os movimentos: a luta pelo fim da violência contra as mulheres. Essa informação nos deixou muito contentes, porque significa que nossa estratégia de convencimento para a inclusão de agendas mútuas está ocorrendo no cotidiano.

A MMM sempre dialogou com todos os movimentos sociais parceiros, afirmando que se todos deveriam assumir a luta contra a violência sobre as mulheres, assim, o movimento feminista terá mais tempo para também se dedicar as demais lutas de transformações mundiais. E nas Filipinas os movimentos aliados da MMM demonstraram que respondeu ao chamado.

Reunião das Americas definem representantes para o Comite Internacional
Através das reuniões por região se discutiu as estratégias de ação para o próximo período. Nas Américas além de avaliação e relato das atividades realizadas, destacou-se a importância da política de formação e fortalecimento das coordenações nacionais.
Aprovamos o calendário da região para 2012 elegendo as seguintes ações como prioridade: RIO + 20 e Festival das Juventudes em Fortaleza-BR; Encontro feminista que se realizará na Argentina; 24 horas de ação pela paz.

Alem das estratégias de atuação de cada região, foram eleitas as companheiras que irão compor o comitê internacional:
America: Emilia Castro (Quebec) e Sandra Morán (Guatemala), Tamara Columbie (Cuba)
Ásia: Jean Enriquez (Filipinas) e Salima Sultana (Bangladesh), Françoise Caillard (Nova Caledônia)
África: Nana Aicha Cisse (Mali) e Graça (Moçambique)
Europa: Judite Fernandes (Portugal), Yıldız Temürtürkan (Turquia). Suplente: Natasha Dokovska (Macedônia)
Mundo Árabe: Souad Mahmoud (Tunísia)

*Por Conceição Dantas e Raquel Duarte - ambas militantes da MMM/Brasil

Fonte: MMM

sábado, 26 de novembro de 2011

As mulheres de Apodi lutam contra o agro e hidronegócio na Chapada do Apodi


Desde agosto de 2011, a Comissão de Mulheres do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras rurais do município de Apodi começou a enviar cartas endereçadas à Presidência da República, reivindicando a revogação do Decreto Nº 0-001 de 10 de Junho de 2011. Esse decreto irá desapropriar mais de 13 mil hectares de terra na região da Chapada do Apodi, expulsando, assim, mais de 150 famílias de suas casas, de suas terras e de uma história que vem sendo construída por esses trabalhadores e trabalhadoras há mais de 60 anos.

O objetivo desse projeto de desapropriação, que é coordenado pelo Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), é beneficiar 5 (cinco) grupos de empresários do hidronegócio, desviando as águas da Barragem de Santa Cruz do Apodi para a irrigação. O modelo de irrigação na região tem demonstrado seus efeitos devastadores. Em Baraúna, inclusive a água já se encontra contaminada com veneno usado nas plantações e as terras se encontram sem condições para produzir. No Vale do Assú, as empresas do agronegócio colocaram as mulheres para realizar tarefas que anteriormente eram realizadas por animais. Em seus plantios, não disponibilizam água potável, nem banheiros.

Na divisão do trabalho doméstico são as mulheres as responsáveis por buscar água para o consumo da família. Uma vez que essa água se contamine, as mulheres terão que voltar ao tempo e serão obrigadas a buscar águas a enormes distâncias de suas casas tanto para beber como para cozinhar, pois a forma das empresas produzirem é sugando e contaminando a água. Além disso, a pulverização aérea, tão comum no agronegócio, contaminará a terra, a água, o ar e mesmo o organismo das pessoas, uma vez que estas estarão respirando o mesmo ar enevenenado utilizado para matar os insetos que, em uma plantação tradicional se tornam pragas, já que a natureza perde a capacidade de manter o equilíbrio.

Dito isto, queremos pedir a solidariedade de todos e todas que desejam construir um mundo igual para homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras do campo ou da cidade para juntar-se a nós na luta contra esse projeto de morte da natureza, dos nossos sonhos e dos próprios seres humanos.

Neste primeiro momento, é importante o envio de manifestações contrárias a este projeto, diretamente para a presidência da república (Secretaria-Geral da Presidência da República: sg@planalto.gov.br)

Nas próximas semanas enviaremos mais informações sobre como se engajar nesta luta.

Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!

Marcha Mundial das Mulheres

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Informes do Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres

Companheiras,

O 8o Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres já começou!

Nossas companheiras que representam o Brasil no Encontro estão enviando noticias, que estarão disponíveis todos os dias no site da MMM e no blog www.ofensivammm.blogspot.com

Segue o relato do primeiro dia, com fotos.

Encontro internacional da MMM: 1º dia 34 países, 80 mulheres, um só ideal!

Hoje, dia 21 de novembro, se deu início ao Encontro internacional da Marcha que está acontecendo em Manila, Filipinas.

Como não podia deixar ser, o Encontro começou com toda a alegria e irreverência característica da MMM em todos os países.

Com uma mística envolvendo todos os países e territórios aqui presentes, e os elementos essenciais para a nossa vida (fogo, água, terra e ar), nos sentimos ainda mais próximas e conectadas.

Antes de iniciar a pauta do dia, fomos presenteadas com uma belíssima apresentação de um grupo contemporâneo típico das Filipinas, com música, batuques, danças e muita alegria.

Pronto, depois de muita integração e apresentação, estávamos prontas para dar início à pauta do dia. Iniciando a jornada, a integrante do Comitê Internacional, Miriam Nobre, contextualizou o momento em que vivemos apontando algumas diretrizes de atuação da MMM neste contexto.
Vivemos em um momento de crise, para muitas não é uma simples crise cíclica do capitalismo, é uma crise social, histórica, civilizatória.

Para outras, as mulheres vivem essas crises há séculos.

Depois de muito debate, apareceram quatro pontos gerais que fazem parte de nossa estratégia neste momento histórico:

1- Ser um movimento enraizado nas lutas locais com relações e estratégias internacionais.

2- Articulação das lutas em pontos comum, relacionados aos quatros eixos da Ação de 2010;

3- Construir experiências democráticas de auto-organização, de forma coletiva, onde todas possam contribuir.

4- Construção de alianças capazes de fortalecer a luta feminista em todos os espaços.

O dia terminou com uma “Noite da Solidariedade” onde cada país pode compartilhar um pouco de sua cultura.

Nós, do Brasil, fizemos uma pequena amostra da irreverência de nossa Batucada, que encantou a todas.

Você que está lendo este texto, não se esqueça de levar em consideração que aqui nas Filipinas são 10 horas a mais que no Brasil, por isso, pode haver alguma confusão nas datas das postagens.

*Relato de Raquel Duarte, militante da MMM Brasil.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Encontro da Marcha Mundial das Mulheres faz balanço e debate linhas de atuação

por Camila Queiroz - Jornalista da ADITAL

Materia originalmente publicada em
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=62363


Entre os próximos dias 20 e 25 de novembro, mulheres de mais de 30 países estarão reunidas no 8º Encontro Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), que ocorrerá na Cidade Quezon, Filipinas. O momento, realizado a cada dois ou três anos, se propõe a avaliar ações e traçar linhas de trabalho para anos seguintes, além de fortalecer movimento.

Coordenadora do Secretariado Internacional da Marcha, Miriam Nobre informa que o Encontro fará balanço da Terceira Ação Internacional da Marcha, ocorrida em 2010 em países onde há conflitos internos e muitos casos de violência contra as mulheres no marco desses conflitos, como Congo, na África, Colômbia, na América do Sul, e Turquia, no Mediterrâneo.

"A gente optou por atuar no território em concreto onde isso acontece e agora precisamos ver como dar seguimento a essa ação, como se fortalecer para dar resposta a essas mulheres que vivem conflitos em seu país e encontrar alternativa para o mundo todo”, declara.

Também está na pauta o contexto sócio-econômico e político mundial, pois é a partir dele que a Marcha planeja suas ações. "A crise econômica só será terminal se a gente tiver alternativas. Vemos formas de organização em acampamentos, principalmente nos países no Norte, mas a gente tem que debater que tipo de movimento é necessário para o atual momento e o que a MMM pode fazer”, explica.

Outro objetivo do evento, segundo a militante, é pensar a organização interna. "A gente quer garantir uma estrutura flexível, a mais horizontal e democrática possível. Temos que rever estatuto e regras de funcionamento. Será iniciado processo para eleger o Comitê Internacional da Marcha e também para eleger Secretariado Internacional, que ainda está com o Brasil”, detalha.

Por ser a primeira vez em que a Marcha se reúne no sudeste asiático, o Encontro está carregado de expectativas. "Esperamos conhecer o movimento de mulheres de lá e perceber como é a dinâmica do local, para conhecer realidade a delas e sair de lá contaminadas por essas questões”, disse. Além disso, há a intenção de reestruturar a Marcha no mundo árabe, esperando-se a presença de militantes feministas da Tunísia e da Palestina.

Por fim, Miriam destaca a importância do Encontro como momento para fortalecer a própria tessitura da Marcha, estreitando contato entre as militantes, que poderão compartilhar entre si experiências tão diversas – pois são mais de 30 países das Américas, África, Ásia e Europa, cada um com sua cultura política – mas que se ligam por a partir de situações de opressão que se repetem.

"A MMM é um movimento de base, então é super importante um momento em que a gente se encontre cara a cara. Por mais que a gente se fale por telefone, por e-mail, etc., é importante compartilhar o que está acontecendo em nosso país, mostrar que nossa realidade não é única, mas que faz parte de um contexto”, comenta.

Conjuntura

Está disponível, no site da Marcha, um texto que subsidiará o debate no 8º Encontro Internacional. Em destaque, a busca por um trabalho anti-capitalista por parte do movimento frente às consequências da crise do modelo capitalista, sentida mais fortemente, até agora, nos países ditos centrais para o sistema.

Para a marcha, o fundamental é avaliar como essa conjuntura repercute na vida das mulheres em todo o mundo, com ataques de setores ultra-conservadores aos direitos civis, sexuais e reprodutivos, reforçados pela mídia, que, na opinião do movimento, fortalece a ofensiva contra as mulheres.

"Apesar da existência de várias leis contra a violência de gênero, temos testemunhado a intensificação da violência contra as mulheres, expressa no feminicídio. Em particular, temos notado em todos os continentes o aumento de violência contra mulheres (e as suas famílias) que estão ativas em movimentos sociais. Esta situação também se reflete na violação e perseguição de mulheres, particularmente no contexto de militarização”, assinala o texto.

O documento está no link
http://www.marchemondiale.org/structure/8rencontre/portugues/en/base_view

sábado, 12 de novembro de 2011

ABAIXO ASSINADO EM DEFESA DAS FLORESTAS

Para assinar entre aqui http://www.florestafazadiferenca.org.br/assine/index.php


ABAIXO ASSINADO EM DEFESA DAS FLORESTAS

A Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto de lei (PLC 30/2011) que modifica, para pior,o Código Florestal brasileiro.
Agora, cabe ao Senado Federal mudar essa realidade. Por isso, é importante que os Senadores que elegemos, saibam que:

QUEREMOS PROTEGER AS FLORESTAS, OS RIOS E A NATUREZA porque:
São fundamentais para qualidade de vida dos brasileiros;
São importantes para a água que bebemos e para conter as enchentes;
São essenciais para a saúde do clima no Planeta;
Protegem a lavoura das pragas, fortalecem e fertilizam os solos para produção de alimentos;
O uso sustentável dos bens naturais é um diferencial para o Brasil no século 21.

PORTANTO queremos um Código Florestal que:
Garanta efetivamente a conservação e uso sustentável das florestas em todos os biomas brasileiros;
Trate de forma diferenciada e digna agricultores familiares e populações tradicionais;
Considere os avanços da ciência;
Garanta a recuperação florestal das áreas ilegalmente desmatadas;
Reconheça e valorize quem promove o uso sustentável;
Contribua para evitar desastres ambientais;
Combata a cultura da impunidade;
Ajude a garantir água de boa qualidade para as cidades;
Acabe de vez com o desmatamento;
E seja digno do Século 21, digno do Brasil e das nossas futuras gerações.

E Por isso dizemos NÃO ao projeto de lei 30/2011 porque:
É um retrocesso à legislação ambiental brasileira;
Diminui a proteção de beiras de rios, encostas, topos de morros, mangues e veredas em todo o país;
Enfraquece o combate ao desmatamento e incentiva a ilegalidade;
Acaba com a função socioambiental da propriedade;
Contribui para o agravamento das mudanças climáticas;
Anistia multas e crimes ambientais, incentivando a cultura da impunidade;
É injusto com quem cumpre a lei.

sábado, 5 de novembro de 2011

CARTA DE SALVADOR


Somos 300 cidadãos e cidadãs brasileiras integrados à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), à Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), à Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), ao Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), à Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), à Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV), à Marcha Mundial de Mulheres e à Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), em reunião na cidade de Salvador-BA, entre os dias 26 a 29 de setembro de 2011, durante o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências entre Agroecologia, Saúde e Justiça Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo.

Nosso encontro resulta de um longo e fecundo processo de preparação motivado pela identificação e sistematização de casos emblemáticos que expressam as variadas formas de resistência das camadas populares em suas diferentes expressões socioculturais e sua capacidade de gerar propostas alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico em nosso país. Vindos de todas as regiões do país, esses casos iluminaram nossos debates durante esses três dias e fundamentam a manifestação política que apresentamos nesta carta.

Ao alimentar esse padrão de desenvolvimento, o governo Dilma inviabiliza a justa prioridade que atribuiu ao combate à miséria em nosso país. Tendo como eixo estruturante o crescimento econômico pela via da exportação de commodities, esse padrão gera efeitos perversos que se alastram em cadeia sobre a nossa sociedade. No mundo rural, a expressão mais visível da implantação dessa lógica econômica é a expropriação das populações de seus meios e modos de vida, acentuando os níveis de degradação ambiental, da pobreza e da dependência desse importante segmento da sociedade a políticas sociais compensatórias. Esse modelo que se faz presente desde o início de nossa formação histórica ganhou forte impulso nas últimas décadas com o alinhamento dos seguidos governos aos projetos expansivos do capital internacional. Materialmente, ele se ancora na expansão do agronegócio e em grandes projetos de infraestrutura implantados para favorecer a extração e o escoamento de riquezas naturais para os mercados globais.

Os casos emblemáticos que subsidiaram nossos diálogos demonstram a essência violenta desse modelo que viola o “direito de ficar”, desterritorializando as populações, o que significa subtrair delas a terra de trabalho, o livre acesso aos recursos naturais, suas formas de organização econômica e suas identidades socioculturais. Os movimentos massivos de migração compulsória daí decorrentes estão na raiz de um padrão de distribuição demográfica insustentável e que cada vez mais converte as cidades em polos de concentração da pobreza, ao passo que o mundo rural vai se desenhando como um cenário de ocupação do capital e de seu projeto de uma agricultura sem agricultoras e agricultores.

A progressiva deterioração da saúde coletiva é o indicador mais significativo das contradições de um modelo que alça o Brasil a uma das principais economias mundiais ao mesmo tempo em que depende da manutenção e seguida expansão de políticas de combate à fome e à desnutrição. Constatamos também que esse modelo se estrutura e acentua as desigualdades de gênero, de geração, de raça e etnia.

Nossas análises convergiram para a constatação de que os maiores beneficiários e principais indutores desse modelo são corporações transnacionais do grande capital agroindustrial e financeiro. Apesar de seus crescentes investimentos em marqueting social e verde, essas corporações já não conseguem ocultar suas responsabilidades na produção de uma crise de sustentabilidade planetária que atinge inclusive os países mais desenvolvidos e que se manifesta em desequilíbrios sistêmicos expressos no crescimento do desemprego estrutural, na acentuação da pobreza e da fome, nas mudanças climáticas, na crise energética e na degradação acelerada dos recursos do ambiente.

As experiências mobilizadas pelas redes aqui em diálogo denunciam as raízes perversas desse modelo ao mesmo tempo em que contestam radicalmente as falsas soluções à crise planetária que vêm sendo apregoadas pelos seus agentes promotores e principais beneficiários. Ao se constituírem como expressões locais de resistência, essas experiências apontam também caminhos para a construção de uma sociedade justa, democrática e sustentável.

A multiplicação dessas iniciativas de defesa de territórios, promoção da justiça ambiental e de denúncia dos conflitos socioambientais estão na raiz do recrudescimento da violência no campo que assistimos nos últimos anos. O assassinato de nossos companheiros e companheiras nessas frentes de luta é o mais cruel e doloroso tributo que o agronegócio e outras expressões do capital impõem aos militantes do povo e ao conjunto da sociedade com suas práticas criminosas.

Nossos diálogos procuraram construir convergências em torno de temas que mobilizam as práticas de resistência e de afirmação de alternativas para a sociedade.

Os diálogos sobre reforma agrária, direitos territoriais e justiça ambiental responsabilizaram o Estado face ao quadro de violência com assassinatos, expulsão e deslocamentos compulsórios de populações pela ação dos grandes projetos como as hidrelétricas, expansão das monoculturas e o crescimento da mineração; a incorporação de áreas de produção de agrocombustíveis, reduzindo a produção de alimentos; a pressão sobre as populações que ocupam tradicionalmente áreas de florestas, ribeirinhas e litorâneas, como os mangues, os territórios da pesca artesanal, com a desestruturação de seus meios de vida e ameaça ao acesso à água e à soberania alimentar.

As convergências se voltaram para a reafirmação da centralidade da luta pela terra, pela reforma agrária e pela garantia dos direitos territoriais das populações. O direito à terra está indissociado da valorização das diferentes formas de viver e produzir nos territórios, reconhecendo a contribuição que povos e populações tradicionais oferecem à conservação dos ecossistemas; do reconhecimento dos recursos ambientais como bens coletivos para o presente e o futuro; e os direitos das populações do campo e da cidade a uma proteção ambiental equânime. Convergimos ainda na afirmação de que o direito à terra e os direitos à água, à soberania alimentar e à saúde estão fortemente associados.

Reconhecemos a importância da mobilização em apoio ao Movimento Xingu para sempre - em defesa da vida e do Rio Xingu, considerado como um exemplo emblemático de luta de resistência ao atual modelo de desenvolvimento. Defendemos o fortalecimento da articulação dos atingidos pela empresa Vale e as propostas que combinem a gestão ambiental com a produção agroecológica, a exemplos de experiências inovadoras dos movimentos sociais em assentamentos da Reforma Agrária.

No debate sobre mudanças climáticas, seus impactos, mecanismos de mercado e a agroecologia como alternativa, recusamos que a proposta agroecológica seja apropriada como mecanismo de compensação, seja ele no invisível e inseguro mercado de carbono, seja em REDD, REDD+, REDD++ (redução das emissões por desmatamento e degradação) ou ainda dentro do pagamento de serviços ambientais. A Rio +20 engendra e consolida a chamada “economia verde”, que pode significar uma apropriação, pelo capitalismo, das alternativas construídas pela agricultura familiar e camponesa e pela economia solidária, reduzindo a crise socioambiental a um problema de mercado.

A Agroecologia não é uma simples prestadora de serviços, contratualizada com setor privado. Ela reúne nossas convergências no campo e na cidade, trabalhando com gente como fundamento. É possível financiar a Agroecologia a partir da contaminação, escravidão, racismo e acumulação cada vez maior do capital? É possível fazer um enfrentamento a partir do pagamento de serviços ambientais por contratos privados, parcerias público-privadas?

Ao debater os impactos da expansão dos monocultivos para agrocombustíveis e padrões alternativos de produção e uso de energia no mundo rural, os diálogos apontaram que a energia é estratégica como elemento de poder e autonomia dos povos, mas está diretamente ligada ao modelo (hegemônico e falido) de consumo, produção e distribuição. A produção de agrocombustiveis, baseada na monocultura, na destruição do ambiente, na violação dos direitos e injustiças sociais e ambientais, associa-se ao agronegócio e ameaça a soberania alimentar.

As políticas públicas sistematicamente desvirtuam as propostas calcadas nas experiências populares, colocando as cooperativas e iniciativas da agricultura familiar na lógica da competição de mercado e em patamar desigual em relação às corporações, tal qual ocorre nas áreas de geração de energia elétrica, segurança alimentar, ciência e tecnologia ou mesmo da economia solidaria.

Nas políticas para os agrocombustiveis, a agricultura familiar é inserida como mera fornecedora de matérias primas e o modelo de integração é dominante, mascarando o arrendamento e assalariamento do campesinato e embutindo o pacote tecnológico da revolução verde através das políticas de crédito, assistência técnica e extensão rural. O diálogo do governo com os movimentos sociais se precariza pela setorização e atomização das relações, enquanto a mistura de interesses e operações entre MDA e Petrobrás acaba por legitimar o canal de negociação empresarial no marco de uma política pública.

As experiências de produção descentralizada de energia e alimentos apontam como soluções reais aquelas articuladas por organizações e movimentos sociais que integram as perspectivas da agroecologia, da soberania alimentar e energética, da economia solidária, do feminismo e da justiça social e ambiental, e são baseadas na forte identidade territorial e prévia organização das comunidades.

Estas iniciativas têm em comum a diversificação da produção e dos mercados e a prioridade no uso dos recursos, dos saberes e dos espaços de comercialização locais. Estão sob o controle dos agricultores e têm autonomia frente às empresas e ao Estado. Articulam-se a programas e políticas públicas diversas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), não apenas ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Os processos de transformação estão sob o domínio das organizações em toda a cadeia produtiva, e há diversificação da produção de alimentos e de matriz energética e co-produtos, para além e como conseqüência da produção de combustível. As formas de produção estão em rede e têm capacidade de se contrapor aos sistemas convencionais como premissa de sua permanência no território.

Com base nestes princípios e lições, as políticas públicas para a promoção da produção de energia e alimentos devem ter: um marco legal diferenciado para a agricultura familiar; promover a produção e uso diversificado de óleos, seus co-produtos e outras culturas, adequadas à diversidade cultural e biológica regional; atender à demanda de adequação e desenvolvimento de tecnologia e equipamentos apropriados, acompanhada de processos de formação e de redes de inovação nas universidades; além de proporcionar autonomia na distribuição e consumo local de óleos vegetais, biodiesel e álcool.

Os diálogos sobre os agrotóxicos e transgênicos, articulando as visões da justiça ambiental, saúde ambiental e promoção da agroecologia, responsabilizaram o Estado pelas políticas de ocultamento de seus impactos expressas nas dificuldades de acesso aos dados oficiais de consumo de agrotóxicos e de laudos técnicos sobre casos de contaminação; na liberação de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) sem debate democrático com a sociedade e sem atender ao princípio da precaução; na frágil vigilância e fiscalização trabalhista, ambiental e sanitária; na dificuldade do acesso aos laboratórios públicos para análise de amostras de contaminação por transgênicos e por agrotóxicos no ar, água, alimentos e sangue; terminando por promover um modelo de desenvolvimento para o campo que concentra terra, riqueza e renda, com impactos diretos nas populações mais vulneráveis em termos socioambientais.

Há um chamamento para que o Estado se comprometa com a apuração das denúncias e investigação dos crimes, a exemplo do assassinato do líder comunitário José Maria da Chapada do Apodi, no Ceará; com a defesa de pesquisadores criminalizados por visibilizar os impactos dos agrotóxicos e por produzir conhecimentos compartilhados com os movimentos sociais; com políticas públicas que potencializem a transição agroecológica – facilitando o acesso ao crédito, à assistência técnica adequada e que reconheça os conhecimentos e práticas agroecológicas das comunidades camponesas.

Não há possibilidade de convivência entre o modelo do agronegócio e o modelo da agroecologia no mesmo território, porque o desmatamento e as pulverizações de agrotóxicos geram desequilíbrios nos ecossistemas afetando diretamente as unidades agroecológicas. As políticas públicas devem estar atentas aos impactos dos agrotóxicos sobre as mulheres (abortos, leite materno, etc.) pois estas estão expostas de diferentes formas, que vão desde o trabalho nas lavouras até o momento da lavagem da roupa dos que utilizam os agrotóxicos. O uso seguro dos agrotóxicos e transgênicos é um mito e um paradigma que precisa ser desconstruído.

É fundamental a convergência de nossas ações com a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, ampliando os diálogos e convergências com os movimentos sociais do campo e da cidade, agregando novas redes que não estiveram presentes nesse Encontro de Diálogos e Convergências. Temos que denunciar esse modelo do agronegócio para o mundo e buscar superá-lo por meio de políticas públicas que possam inibir o uso de agrotóxicos e transgênicos, a exemplo da proibição da pulverização aérea, ou ainda direcionando os recursos oriundos dos impostos dos agrotóxicos, cuja produção e comercialização é vergonhosamente subsidiada pelo Estado. O fim dos subsídios contribuiria para financiar o SUS e a agroecologia.

Com relação aos direitos dos agricultores, povos e comunidades tradicionais ao livre uso da biodiversidade, constatamos que está em curso, nos territórios, um processo de privatização da terra e da biodiversidade manejada pela produção familiar e camponesa, povos e comunidades tradicionais. Tal privatização é aprofundada pela flexibilização do Código Florestal, que é uma grande ameaça e abre caminhos para um processo brutal de destruição ambiental e apropriação de terra e territórios pelo agronegócio.

A privatização das sementes e mudas, dos conhecimentos tradicionais e dos diversos componentes da biodiversidade vem se dando de forma acelerada, com o Estado cumprindo um papel decisivo na mediação (regulamentação e políticas públicas) dos contratos estabelecidos entre empresas e comunidades, representando sérios riscos aos direitos ao livre uso da biodiversidade.

Causa grande preocupação que as questões nacionais sobre conservação e uso da biodiversidade estejam sendo discutidas e encaminhadas sem a participação efetiva das populações diretamente atingidas, estando sujeitas a agendas internacionais como a Rio +20. Consideramos uma violação a atual forma de “consulta” sobre importantes instrumentos legais e de política concentrada em poucos atores e de questionável representatividade.

Experiências presentes neste encontro demonstram avanços e se fortalecem a partir da legitimidade de suas práticas e aproveitando as brechas existentes na legislação. Este é o caso, por exemplo, dos bancos comunitários de sementes no semiárido; da produção de sementes agroecológicas a partir de variedades de domínio público; da auto-regulação dos conhecimentos tradicionais sobre as plantas medicinais do Cerrado; da constituição de um fundo público das quebradeiras de coco babaçu através da repartição de benefícios que reconhece o conhecimento tradicional associado.

É necessário aprofundar a organização das agricultoras e dos agricultores, extrativistas, povos e comunidades tradicionais em seus territórios, de forma a fortalecer os princípios e ações de cooperativismo e suas interlocuções com as redes regionais, estaduais e nacionais como estratégia de resistência e construção de alternativas. A geração de alternativas econômicas é crucial neste contexto. A apropriação do debate em torno dos direitos pode facilitar e fortalecer o diálogo de nossas redes e movimentos com a sociedade civil de modo geral, de modo a visibilizar a importância dos modos de vida destas comunidades para a garantia de direitos humanos, como o direito à alimentação adequada e saudável.

Nos diálogos sobre Soberania Alimentar e Nutricional, Economia Solidária e Agroecologia, as experiências apontaram o grande acúmulo na construção de alternativas ao atual modelo agroalimentar, que garantam, de forma articulada, a soberania alimentar e nutricional, a emancipação econômica dos trabalhadores e trabalhadoras nos territórios, em especial as mulheres, a promoção da saúde pública e a preservação ambiental. Constatou-se que estas iniciativas contribuem com a construção concreta e material de propostas diferenciadas de desenvolvimento, calcadas nas realidades, cultura e autonomia dos sujeitos dos territórios e orientadas para a justiça socioambiental, a democracia econômica e o direito à alimentação adequada.

Estes acúmulos se expressam através da existência e resistência de dezenas de milhares de empreendimentos e iniciativas de Economia Solidária e Agroecologia, especialmente quando articuladas e organizadas em redes e circuitos de produção, comercialização e consumo, que aproximam produtores e consumidores e fortalecem a economia e cultura locais, num enfrentamento à desterritorialização e desigualdades de gênero, raça e etnia inerentes ao atual padrão hegemônico de produção e distribuição agroalimentar.

Constatou-se que os programas de alimentação escolar (PNAE) e de aquisição de alimentos (PAA), assim como o reconhecimento constitucional do direito à alimentação e a implantação do Sistema e Política de Segurança Alimentar e Nutricional, são conquistas importantes para a agricultura familiar e camponesa. Por outro lado, de forma paradoxal, o Estado tem apoiado fortemente o agronegócio, através da subordinação de sua ação a interesses do capital, e da falta de um horizonte e estratégia definidos de expansão do orçamento do PAA e do PNAE.

As vivências e experiências denunciam também a grande quantidade de barreiras ao acesso das iniciativas e empreendimentos de Economia Solidária e Agroecologia a políticas públicas e ao mercado. Tais barreiras se expressam em uma legislação e inspeção sanitárias e tributárias incompatíveis às realidades das/dos produtoras/es e trabalhadoras/es associadas/os, em especial no processamento e agroindustrialização de polpas, doces e alimentos de origem animal. Estas barreiras, somadas à burocratização na aquisição da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) e a uma ofensiva de setores empresariais que têm denunciado à ANVISA empreendimentos produtivos assim que estes começam a se fortalecer, têm impedido o escoamento da produção dentro e fora do município e o acesso ao PAA e ao PNAE. O direito à organização do trabalho e da produção de forma associada só existirá com a conquista de garantias e condições legislativas, tributárias e de financiamento que sejam justas.

Os diálogos apontaram também a luta pelo consumo responsável, solidário e consciente como um campo importante de convergência entre as redes e movimentos e como um desdobramento concreto deste Encontro, através da construção conjunta de um diálogo pedagógico com a sociedade, tanto denunciando os impactos e danos dos alimentos vindos do agronegócio e contaminados com agrotóxicos, o que exige a regulação da publicidade de alimentos, quanto anunciando as alternativas disponíveis na Agroecologia e na Economia Solidária.


Em busca de novos caminhos

Os exercícios de diálogos que estamos realizando há dois anos e os excelentes resultados a que chegamos em nosso encontro reiteram a necessidade de fortalecermos nossas alianças estratégicas e renovarmos nossos métodos de ação convergente. As experiências que ancoraram nossas reflexões deixam claro que os temas que identificam as bandeiras de nossas redes e movimentos integram-se nas lutas do cotidiano que se desenvolvem nos campos e nas cidades contra os mecanismos de expropriação impostos pelo capital e em defesa dos territórios. Evidenciam, assim, a necessidade de intensificarmos e multiplicarmos as práticas de diálogos e convergências desde o âmbito local, onde as disputas territoriais materializam-se na forma de conflitos socioambientais, com impacto na saúde das populações, até níveis regionais, nacionais e internacionais, fundamentais para que as causas estruturais do atual modelo hegemônico sejam transformadas.

A natureza local e diversificada de nossas lutas vem até hoje facilitando as estratégias de sua invisibilização pelos setores hegemônicos e beneficiários do modelo. Esse fato nos indica a necessidade de atuarmos de forma articulada, incorporando formas criativas de denúncia, promovendo a visibilidade dos conflitos e das proposições que emergem das experiências populares.

Uma das linhas estratégicas para a promoção dos diálogos e convergências é a produção e disseminação de conhecimento sobre as trajetórias históricas de disputas territoriais e suas atuais manifestações. Nesse sentido, as alianças com o mundo acadêmico devem ser reforçadas também como parte de uma estratégia de reorientação das instituições do Estado, no sentido destas reforçarem as lutas pela justiça social e ambiental. Estimulamos a elaboração e uso de mapas que expressem as diferentes dimensões das lutas territoriais pelos seus protagonistas como uma estratégia de visibilização e articulação entre nossas redes e movimentos. O Intermapas já é uma expressão material das convergências.

Outra linha estratégica fundamenta-se em nossa afirmação de que a comunicação é um direito das pessoas e dos povos. Reafirmamos a importância, a necessidade e a obrigação de nos comunicarmos para tornar visíveis nossas realidades, nossas pautas e nosso projeto de desenvolvimento para o país. A mudança do marco regulatório da mídia é condição para a democratização dos meios de comunicação. Repudiamos as posturas de criminalização e as formas de representação que a mídia hegemônica adota ao abordar os territórios, modos de vida e lutas. Contestamos a produção da invisibilidade nesses meios de comunicação. O Estado deve se comprometer a financiar nossas mídias, inclusive para que possamos ampliar projetos de formação de comunicadores e de estruturação dos nossos próprios veículos de comunicação. As mídias públicas devem ser veículos para comunicar aprendizados de nossas experiências, proposições e campanhas. Por uma comunicação livre, democrática, comunitária, igualitária, plural e que defenda a vida acima do lucro.

Nossos diálogos convergem também para a necessidade do reconhecimento das mulheres como sujeito político, a importância de sua auto-organização e a centralidade do questionamento da divisão sexual do trabalho que desvaloriza e separa trabalho das mulheres em relação ao dos homens, assim negando a contribuição econômica da atividade doméstica de cuidados e a produção para o autoconsumo. Convergimos na compreensão do sentido crítico do pensamento e ação feministas para ressignificar e ampliar o sentido do trabalho e sua centralidade para a produção do viver.

A apropriação do feminismo como ferramenta política contribuirá para recuperar e visibilizar as experiências, os conhecimentos e as práticas das mulheres na construção da agroecologia, da economia solidária, da justiça ambiental e para garantir sua autonomia econômica.

Mas a história também mostra que o permanente exercício da violência dos homens contra as mulheres é um poderoso instrumento de dominação e controle patriarcal que fere a dignidade das mulheres e impede a conquista de sua autonomia, e as exclui dos espaços de poder e decisão. A violência contra as mulheres não é agroecológica, não é solidaria, não é sustentável, não é justa. Por isso é fundamental que as redes que estão organizando o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências assumam a erradicação da violência contra as mulheres como parte de um novo modelo de produção e consumo, que deve ter como um eixo fundamental a construção de novas relações humanas baseadas na igualdade.

O papel do Estado democrático é o de construir um país de cidadãos e cidadãs, promover e defender a organização da sociedade civil e de estabelecer com ela relações que permitam à sociedade reconhecer nas instituições a expressão do compromisso com o público e com a sustentabilidade. Esse princípio é contraditório com qualquer prática de criminalização dos movimentos e organizações que lutam por direitos civis de acesso soberano aos territórios e seus recursos.

As redes e movimentos promotores deste Encontro saem fortalecidos e têm ampliadas suas capacidades de expressão pública e ação política. Estamos apenas no início de um processo que se desdobrará em ambientes de diálogos e convergências que se organizarão a partir dos territórios, o lugar onde nossas lutas se integram na prática.


Salvador, 29 de setembro de 2011

FOTOS: Roda de Conversa "O Feminismo que Queremos"

Fotos da Roda de Conversa realizada no sábado, 29 de outubro.
Nesse dia comemoramos também o aniversário de nossa companheira Celeste.